No dia 23 de fevereiro, o clássico Pinóquio – animação produzida pela Walt Disney – completou 80 anos, e fez parte da infância de muitas gerações, sendo lembrado com muito carinho, nostalgia e… Controvérsia. Para explorar melhor isso, vamos recorrer ao livro no qual Disney se baseou para conceber o clássico.
Um breve alerta: Se você nunca viu a animação ou quer ler o livro sem saber de spoilers, melhor procurar outro texto! Impossível fazer essas comparações e análises sem entregar detalhes da história. Tenho certeza que você conhece a sinopse básica, porém o filme vai por um caminho mais “leve” do que o livro, que possui uns desdobramentos bem macabros.
Pinóquio
é um marco na história do cinema como um todo, sendo o segundo longa-metragem de animação produzido por Walt Disney, após o sucesso de Branca de Neve e os Sete Anões, de 1937. Na época do seu lançamento, em 1940, o filme não teve um bom desempenho nas bilheterias (lembrando que na época o mundo passava pela Segunda Guerra Mundial, e os EUA entrariam “oficialmente” nessa no ano Seguinte) e só com o passar das décadas, Pinóquio pode pagar pelos seus custos de produção. A animação em si é impecável, com uma história clássica e trilha sonora marcante, marcos da Era de Ouro da Disney.
Se você – assim como eu – é traumatizado pelas cenas envolvendo os meninos que se transformam em burros na Ilha dos Prazeres, isso na versão da Disney, sinto informar-lhe: o livro pega ainda mais pesado! E não é só nesse contexto! Pra começar, a obra de Collodi mostra de fato a construção do Pinóquio, através das mãos do “Mestre Cereja”, que molda um pedaço de madeira para utilizar da melhor maneira que lhe convém, porém é surpreendido pelo suposto grito de dor do tronco ao “levar” a primeira machadada. Em seguida, o Cereja doa a peça para seu “amigo” Gepeto, que termina de moldar a peça, transformando-a em uma marionete, que já se mostra com vida.
Até aqui, tirando a parte do background do Pinóquio – mostrando como ele foi construído – a história soa familiar para quem assistiu apenas ao filme ou leu
qualquer versão “leve” e ainda mais infantilizada da obra que encontra-se aos montes por aí e, dessa forma, quem o lê pela primeira vez já espera pelo mais “convencional” que fora mostrado no filme de 1940, porém acontece que a obra de Collodi originalmente mostra um Pinóquio extremamente mimado e travesso, fugindo logo de Gepeto e sendo abordado pela polícia, e isso é só o começo.
Passada a confusão, que culmina inclusiva na prisão preventiva de Gepeto, acontece o inesperado: a morte do Grilo Falante. Isso mesmo! O animal fofinho que no filme atua como a consciência de Pinóquio acaba sendo esmagado à marteladas pelo boneco. Bizarro, não? O rumo que a história vai tomando mostra que Walt Disney fez várias mudanças na trama, o que ocorre em todo tipo de adaptação, sobretudo quando a obra original apresenta um conteúdo um tanto pesado para o público infantil.
“O MUNDO É CHEIO DE TENTAÇÕES”
Tenho certeza que você se lembra de como o filme mostra isso, através do Grilo Falante, que orienta o Pinóquio sobre o que ele vai encontrar pelo mundo, e como teoricamente deve escolher entre o certo e o errado. Pois bem, a obra original vai mostrando o protagonista – uma versão bem travessa – sendo tentado por dois sujeitos que encontra na rua, a optar pelo caminho “mais fácil”, algo que também é visto no filme, porém não da mesma forma. Sabe qual a diferença?! O boneco, após participar de um show de marionetes, recebe o dinheiro e, à caminho de um local onde poderia plantar suas moedas para que supostamente nascesse uma árvore que teria dinheiro como frutos, sofre uma tentativa de assassinato! Pinóquio é enforcado e supostamente morre.
ILHA DOS PRAZERES / PAÍS DOS BRINQUEDOS
Na animação clássica, o personagem é salvo das emboscadas pelo recurso “Deus Ex-Machina”, representado pela Fada Azul. No livro, a trajetória do personagem nas ruas – longe da casa de seu pai Gepeto – é bastante longa: transcorre durante vários meses. Tanto que, a Ilha dos Prazeres, ou o “País dos Brinquedos”, como é mostrado no livro, é a representação pura da crueldade humana! Claro que o autor utilizou esse recurso de forma a ensinar as crianças a se comportarem e orientá-las a não desobedecer os pais, caso contrário seriam punidas.
E essa ilustração é ainda mais bizarra que a animação, com o Pinóquio conhecendo Pávio, um garoto da mesma idade, e sendo convencido a embarcar na carroça rumo ao lugar onde não existem regras, supostamente. Lembra que, na animação, as carruagens são puxadas por seis burros? Pois é, e aqui fica claro que esses animais são, na verdade, as crianças que foram anteriormente para esse lugar, e agora “pagam pelo resto da vida”. Quando um dos “burros” se queixa, o Cocheiro se mostra mais cruel e irônico do que na animação, arrancando um pedaço da orelha do (agora) animal com uma mordida!
Pra quem não lembra de como as coisas ocorrem na Ilha dos Prazeres, vou refrescar sua memória: as crianças lá estão livres para fazer o que quiserem sem serem punidas, e isso inclui inclusive fumar e beber – o que também acontece na animação – porém isso tem um preço que os meninos vão descobrir: serão
transformados em burros, além de serem vendidos (ou traficados) para circos ou minas de sal. Porém, diferente da obra Disney, onde a ação no lugar transcorre em um curto período, na história original, Pinóquio, Pávio e as crianças passam vários meses lá, até se darem conta de que o pior aconteceu: se tornaram burros. Na animação, o boneco escapa junto ao Grilo, mas não é revelado os destinos das outras crianças. No livro de Carlo Collodi, Pinóquio é vendido para um homem cruel, mas eventualmente consegue fugir do seu destino e é transformado novamente em boneco.
AINDA TEM MAIS?!
Tem, sim! Após passar por mais situações cabulosas – que não aparecem na obra Disney por uma questão de censura, obviamente – o que inclui atuar como um cachorro, por exemplo, o boneco acaba encontrando seu pai, que fora engolido por um tubarão gigante. O resto da história transcorre da forma como todos conhecem: eles escapam e partem rumo ao “final feliz”, onde Pinóquio realiza o sonho de Gepeto em se tornar um menino de verdade, se mostrando digno ao se redimir de seus atos e escolher pelo caminho mais certo, ao se deparar com outras situações. Porém, a história não para por aqui: Lembra do Pávio? Pois bem, o personagem aparece novamente como um burro, já estando fraco e sucumbindo aos maus tratos e MORRENDO na frente de Pinóquio. Depois disso, a história segue para o final que já conhecemos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Procurei fazer uma comparação para que o leitor compreendesse melhor a importância do personagem para a cultura como um todo. O filme Pinóquio é apenas uma de muitas adaptações que já foram feitas ao longo do século XX, mas o filme da Walt Disney é o que vêm à cabeça quando se fala no boneco de madeira, sendo muito importante na história do cinema. Espero ter despertado a curiosidade de quem deseja conhecer a obra original, como também espero não ter estragado a infância de alguém.