E a série sobre Quadrinhos e Racismo – Os primeiros heróis negros – continua! Desta vez, falamos sobre um dos soldados mais famosos da Marvel, que ficou ainda mais famoso depois do cinema: Sam Wilson, O FALCÃO! Um heróis que tinha tudo para ter seu espaço, mas vive nas sombras de outros heróis brancos.
Samuel Thomas Wilson, ou simplesmente Sam Wilson é introduzido ao universo MARVEL como um Nova-Iorquino que um dia se mudou para uma tribo isolada do mundo na África, para tentar capturar um falcão de caça e entregar a uma pessoa, que ele não sabia que na verdade era um ex-nazista. Ele acabou ficando na ilha para ajudar os nativos a se defender das possíveis invasões dos nazistas, que tentaram roubar matéria-prima de lá. Essa ilha, por coincidência, também era onde o Caveira Vermelha despeja os seus rivais e inimigos. Ele deve então virar herói e defender os nativos e animais de lá, com quem até consegue conversar (depois de um acidente com o cubo do infinito), e defender a sua tribo.
Falcão é considerado o 1º herói negro da MARVEL (Africano-Americano) em destaque, e isso se deve ao fato de ter sido introduzido nas comics do Capitão América na Era de Prata dos Quadrinhos, no início dos anos 70, de fortes movimentações dos movimentos negro, estudantil e feminista. Mas sobretudo, Sam Wilson é criado no contexto de uma guerra civil. Portanto, o seu passado é de cidadão social, um negro muito a frente de seu tempo, que pensa nos animais, nas ameaças que vinham de fora de seu país e até mesmo o seu próprio país como uma ameaça a outros.
Quando analisamos os primeiros quadrinhos do Samuel Thomas Wilson – O Falcão (Captain America – Nº 117, 118 e 119, de 1969) percebemos uma construção que se repete especialmente no fim dos anos de 1960 para o começo dos anos de 1970; O arquétipo de um homem forte, explorador e ‘exótico’ (negro) que pudesse unir um forte discurso político que se estabelecia na época de seu lançamento sobre a guerra do Vietnã, direitos civis e sobre os movimentos sociais dos anos 70. Sam Wilson é o personagem perfeito para tal função, uma vez que sua narrativa abrange um discurso que, ainda que simplista, entregue essa ideia da sabedoria negra, regresso às raízes e um negro destemido. Isso tudo acima explanado pode ser facilmente encontrado na própria fala de Gene Coland – um dos idealizadores e escritores das histórias do Falcão.
[…] No fim dos anos de 1960 [quando notícias da] Guerra do Vietnã e os protestos sobre os direitos civis eram ocorrências corriqueiras, e Stan, sempre querendo estar no fronte das coisas, começou a trazer as manchetes dos jornais para dentro das revistas em quadrinhos. […] Eu adorava desenhar pessoas de todos os tipos. (COLAND, 2008)
Estes quadrinhos dos tardios anos 60 além de traçar perfis desses primeiros personagens negros (como antes citado, na contextualização dos personagens), denota também a contínua estereotipificação dos personagens negros através de signos que formados na consciência coletiva de como um negro deve se comportar ante aos demais personagens brancos e hegemônicos das tirinhas. Isso fica mais bem especificado quando observamos de fato o que dizem os quadrinhos.
[…] E eu amava desenhar pessoas negras. Sempre achei suas feições muito interessantes e o quanto de suas forças, espírito e sabedoria estavam escritos em suas faces. Eu cheguei em Stan, como me lembro, com a ideia de introduzir um herói afro-americano, e ele logo aceitou a ideia. […] Estudei diversas revistas afro-americanas, e utilizei elas de base para a inspiração de trazer o Falcão à vida. (COLAND, 2008)
A própria fala de Sam Wilson traz consigo os estereótipos já esperados (e diversamente propagados por estes escritores) de um ‘jeito malandro’ de agir, falar e se portar, quando comparado com outro personagem com quem contracena. A fala de Sam Wilson é carregada de gírias e coloquialismo, justamente como uma tentativa de classificar e traduzir em palavras e desenhos o pensamento comum de uma sociedade culturalmente racista, ainda que na tentativa de “trazer o lado bom do negro”. Sueli Carneiro (2014) acrescenta bastante a discussão quando fala sobre a cristalização dessa imagem genérica da identidade do negro e da negra, assim como seu corpo erotizado (forte e esculpido no caso dos homens ou cheio de curvas e sensual, para as mulheres).
Se partimos do entendimento de que os meios de comunicação não apenas repassam as representações sociais sedimentadas no imaginário social, mas também se instituem como agentes que operam, constroem e reconstroem no interior da sua lógica de produção os sistemas de representação, levamos em conta que eles ocupam posição central na cristalização de imagens e sentidos sobre a mulher negra. (CARNEIRO, 2003)
É perceptível que aqui o grande problema não é apenas a repetição de tais estereótipos do negro, mas a construção dessa narrativa, a fortificação dessa consciência coletiva genérica de que quando se pensa num negro, devemos pensar que eles têm “[…]características interessantes e muito de sua força, espírito e sabedoria escrito em seus rostos (Coland, 2008)”. Antes mesmo de se pensar o negro como um ser humano tal qual qualquer outro, pensa-se no negro como um negro.
A série Quadrinhos e Racismo: Os Primeiros Heróis Negros é uma série de posts colaborativos entre Joe (@Joegrafia) e de Mallu (@malluoliveir_a), para falar das origens dos personagens negros nos quadrinhos. Uma série de análises das primeiras aparições dos hoje clássicos heróis negros da Marvel Comics e DC Comics, surgidos ali em meio a Era de Prata dos quadrinhos.