Superman 2025 é um filme repleto de defeitos, muitos deles que podem ser atribuídos a velhos pecados de James Gunn, já conhecidos em seu cinema. Mas Superman vai além, enfrentando a correnteza de filmes de super-heróis dos últimos anos e se consagra com um retorno da humanidade aos heróis. Mas o problema com Superman é outro.
Há um grande problema com o Superman de James Gunn, a nova releitura de um dos personagens mais clássicos do cinema e, definitivamente, o mais memorável dos quadrinhos. E não, esse problema não está necessariamente no roteiro raso e esquecível, nem apenas na forma “estranha” de Gunn escrever mulheres, com certas pitadas de misoginia que nos fazem questionar se aquilo faz parte do roteiro ou de sua construção pessoal. Superman esbarra na dificuldade de ser inovador para si, enquanto personagem tão antigo e tão explorado (bem ou mal) nos cinemas, e também no cansaço das histórias de super-heróis, que se esticaram por duas décadas no cinema blockbuster.
Mas nada disso é o problema central de Superman 2025. O verdadeiro desafio é existir num momento histórico de cinismo, num culto à indiferença, que se mistura a discursos de ódio, relativização da justiça, da liberdade e do que é repressão. O problema com o Superman é que a defesa de um ideal de liberdade, respeito e inclusão tornou-se relativa numa sociedade adoecida por guerras, violência e pela explosão midiática, temas recorrentes no universo de filmes da DC, ainda que muitos deles sequer compartilhem do “mesmo universo temático”, o DCU. Mas compartilham do mesmo momento histórico: o nosso aqui e agora, o nosso universo compartilhado. Batman (2022), Joker (2019–2024), Superman (2025).
A mídia tem grande relevância dentro dos mundos fictícios de nossos heróis e vilões, quando é essa opinião das massas que muda a forma como olhamos para cada um deles. Superman, aliás, é parte, ele mesmo, dessa mídia, uma vez que trabalha para o Planeta Diário, junto a Lois Lane. Apesar do filme se fazer por outros caminhos, os clássicos de motivação do ódio pelo “super” do Superman por Lex Luthor e do fato de ser um alienígena e superior aos humanos, há também um grande desenvolvimento voltado para a opinião pública referente ao Homem de Aço em 2025.
Entre-mundos
O filme parece brincar em “entre-mundos”: a opinião pública sobre o Superman pós-Zack Snyder, e a opinião pública dentro da narrativa, onde o herói se envolve em guerras internacionais sem permissão de seu país. Mais um aceno ao poder midiático, à desinformação e à manipulação, tão explicitamente mostradas no universo de Lex. Um herói que confronta a grande potência dos Estados Unidos (de Lex Luthor), pronto para exterminar o povo de Jarharpur em prol dos Boravianos, mais uma alegoria para falar de extermínios reais transformados em ficção, como Israel e Palestina.
E, de maneira simplista, Gunn retrata uma massa que em segundos ou está 100% com o Superman, ou 100% contra ele. Nesse ponto, o filme fala diretamente conosco. Num mundo dividido e em um capitalismo em ruínas, onde o fascismo volta a crescer, o certo e o errado perdem sentido. O cinismo, a ironia e aquele sorriso de canto de boca; o culto ao desinteresse e à desconexão, toma conta.
O problema com o Superman
Atravessamos um mar de filmes de herói, para então entrar nos heróis imperfeitos, muitos deles da Marvel, que trazem uma essência cada vez menos alienígena e cada vez mais humana (e falha) para cada personagem. Depois, entramos nos deuses entre humanos, muitos deles daquela DC com Cavaleiro das Trevas e Homem de Aço, que já deu o pontapé nos heróis que são vilões, já injetados com esse cinismo e essa descrença na esperança e na humanidade, como foi o icônico The Boys, mas antes todo aquele rebuliço causado por Injustice, da DC. O cinismo, na realidade, virou integral para os filmes de herói, sobretudo na dominante Marvel, que desde o início dava acenos a uma produção cada vez menos focada na essência humana, e mais nos “super” humanos: os ricos, filantropos, financiadores de guerras, heróis e heroínas militarizados, fardados e acordados com governos, fechados com o status quo.
Superman nada contra essa correnteza, uma vez mais. Um herói que, essencialmente, sempre foi isso no cinema: um super humano. Mas não apenas por seus poderes sobre-humanos, e sim por sua super humanidade. Superman não é cínico, não é desconectado da realidade. Ele não desafia o ideal de liberdade, respeito e inclusão. Não relativiza a necessidade de ser humano e defender a humanidade. O problema com o Superman é que ser isto, representar a humanidade, tornou-se punk. Sim, punk, um movimento contra-cultural, uma rebeldia: a rebeldia de não ser indiferente. Mas… isso é um problema?
O problema está entre-mundos
Como resgatar o entre-mundos da indiferença, do cinismo e da relatividade entre o bem e o mal, quando torna-se subverso defender o ideal de humanidade? Dentro e fora dos quadrinhos e dos filmes de heróis, torna-se relativa a defesa de multimilionários que arquitetam guerras e unem-se a governos exploratórios e monárquicos. Torna-se relativo defender o extermínio de um povo, a exclusão de pessoas, o avanço do fascismo, a tentativa de derrubada de democracias e governos autoritários.
É claro que há diversos defeitos em Superman, e tantos outros problemas, alguns até citados aqui. Mas Superman é um resgate, em um cinema, uma ficção e entre-mundos, de uma tentativa de humanizar o mundo. De ser punk, contracultura, rebelde. Rebelde por defender a liberdade. De não aceitar o status quo, que é a primeira ação do Superman, motivação de todo o filme: envolver-se numa guerra (posteriormente descobrimos que trata-se de um extermínio), cujo país estava de acordo, cujo status quo estava de acordo.
Superman, enquanto herói, cumpre o seu papel. É inspirador, é humano, e nos oferece o desafio, mesmo entre-mundos, de enfrentar a indiferença. De aliar-se ao bem, que floresce desse aliamento. Repito: Superman continua cheio de defeitos outros, fracassos em outras instâncias, técnicas ou não. Mas, por um momento, abandonemos o véu da indiferença: sejamos punkrock como o Superman.