A Própria Carne, terror nacional produzido por Jovem Nerd e Azaghal, nos faz pensar em algumas reflexões raciais – que precisam ser tidas, numa crescente de filmes que abordam o racial no cinema. Como queremos trazer isso para o horror nacional? E como não queremos?
Por Joegrafia – Negro. Comunicador e Radialista. Editor, roteirista e fundador do NerdSpeaking. 🎙
A Própria Carne, terror nacional, problema racial

A expectativa para A Própria Carne era baixa por alguns motivos fundamentais: a direção de Ian, que não tem lastro positivo; a inexperiência de JN e Azaghal em roteiro para cinema; a preocupação de um plot com certa aproximação racial. Mas de outro lado, tinha uma perspectiva de um filme charmoso, escuro e sombrio que pudesse repetir os (constantes) acertos da criação de ambiência e imersão, comuns ao Jovem Nerd, nas dramatizações em áudio, que já são um clássico deles.
Mas nem a boa atuação de Jorge Guerreiro, nem a grata surpresa de Luiz Carlos Persy conseguiram salvar as falhas fundamentais do filme: um roteiro furado, cheio de solilóquios esquisitos, fatos trazidos por personagens que quebram a era na qual o filme se passa, e um sentimento de uma longa jornada para chegar aos seus fins. A Própria Carne é estética e cinematicamente bonito, e nos leva pra alguns dos melhores acertos de um cinema de terror mundial em sua área técnica. Mas é cheio de esquisitices e escolhas de roteiro que mostram o quão verde estava o roteiro. Dramatizar, mixar e “monologar” como se fosse um áudio, é a prova da falta de profundidade no entendimento da distância de um roteiro visual para um roteiro escrito.

Por fim, a escolha de uma conexão com a realidade (a guerra) é péssima para a metáfora racial (a escravidão) do filme – que pouco aproveita, e quando menciona é de forma distante e disconexa. Prender o filme ao horror do mundo real e misturá-lo com a ficção, para mim, é e permanece o constante erro do terror nacional. Não sobra espaço para metáfora. Tatear o tema da racialidade sem explorá-lo se tornou na máxima e constante na nova fase do terror racial. Não há tempo para explicar, para aprofundar, para desenvolver; só para participar do movimento de levante de um black horror-Cosmic Horror feito as pressas.

A Própria Carne, terror nacional, problema racial
O problema é que o que sobra para ser feito às pressas é o mero sofrimento negro em tela, a retomada do terror histórico racial, a tortura explicitada (e justificada por fazer parte da história não ficcional), e portanto, a falta de uma imaginação política para chegar a outro fim que não seja o final George Romero – do pior fim para o negro, que se ancora num mundo real, sem imaginação, sem possibilidade de redenção ou catarse.

Não tem onde esconder a desconexão do filme consigo mesmo. Nem mesmo debaixo das brilhantes atuações de um e outro. Um excelente filme pra provocar debates importantes pro futuro do terror nacional.

