DE NOVO? Mais um caso isolado de racismo e preconceito destilado na internet e no universo da cultura pop; com o lançamento do trailer do live action de A Pequena Sereia, com atriz principal negra (Halle Bailey), a internet mais uma vez mostrou seu lado mais sujo e preconceituoso.
The Little Mermaid, filme live action de A Pequena Sereia programado para lançamento em 2023, ganhou trailer e teve o casting divulgado durante o evento D23 Expo, da Disney, que apresenta algumas das novas produções do conglomerado midiático. Entre os filmes e inúmeros Live Actions divulgados, estava o trailer de A Pequena Sereia, estrelando a Halle Bailey como personagem principal; uma jovem atriz negra numa adaptação de uma das clássicas obras da Disney de mesmo nome, de 1989. Uma atriz negra interpretando uma personagem que antes era uma sereia branca de olhos azuis e cabelos ruivos. E qual o problema?
O problema é que a recepção do público com o trailer – de pouco mais de um minuto e vinte segundos – foi estrondosamente negativa. Depois de mais de 7 milhões de visualizações, a obra já tinha 772 mil dislikes e inúmeros comentários negativos, além de diversos outros explicitamente racistas e preconceituosos. Tudo isso por conta da mudança de cor da personagem – que além de tudo – ainda tem, no lugar dos cabelos lisos e ruivos da adaptação de 1989, locks num tom avermelhado mais realista.
Mas qual a real problemática por trás do “desgosto” de tantas pessoas com a nova obra? Qual o verdadeiro problema com a mudança da personagem? Seria a descaracterização da personagem “original”? Impossível. Até porque antes da adaptação da Disney de 1968 a história de A Pequena Sereia já havia sido adaptada, com a animação de 1975 – Hans Christian Andersen’s The Little Mermaid. Um filme da Toei Animation, que também adapta a personagem do conto de fadas de Hans Christian. Nesta adaptação, a personagem é loira! Já não seria esta uma descaracterização? Ou mesmo do filme russo de 1976, intitulado “The Little Mermaid” (Русалочка), no qual a sereia tem cabelos verdes? Ou da ainda mais antiga adaptação de 1968, ainda na União Soviética, no qual a sereia tinha cabelos brancos e azulados… Não, o problema não está nos cabelos, ou na “descaracterização” da personagem – já tantas vezes adaptada e readaptada.
O problema é que – sempre que um novo personagem – negro/negra ganha destaque numa nova adaptação ou em roteiro original, sobretudo com o papel principal, há uma grande revolta por meio do público. Sim, certamente também por “ferir” a antiga forma, já consolidada em seus imaginários, afinal, nos apegamos ao que nos é nostálgico. Mas não há apego que justifique o racismo, preconceito e discriminação. Sobretudo quando sabemos que também sim, a nostalgia de muitos vai além da produção de 1989.
A verdadeira saudade que os preconceituosos e racistas têm com as novas produções, é de um tempo em que na mídia não havia espaço para personagens negros e negras como principais de uma trama. De um tempo em que a negritude era encarada como vassala nas produções, ou como alívios cômicos, ou mesmo como nada, por não serem representados. A saudade é de um tempo em que todas as produções eram feitas por mãos de diretores brancos, sem um sequer negro, sem uma produção sequer que destacasse o que pesquisadores da negritude e representação chamam como “o outro”. Sim, o negro ainda é visto como o outro, a exceção – pelo público, pelos detentores da mídia, e por aqueles que produzem as obras.
Hoje Ariel – a Pequena Sereia – é negra com locks ruivos porque mercadologicamente faz sentido a Disney a fazer assim. Mas para além da lógica capitalista por trás da nova onda de adaptações e personagens originais de cor negra, há também mais representação nos castings, nas produções e portanto, também nas personagens principais! O enegrecimento no conglomerado midiático já é uma realidade, já é um público em potencial, e portanto, vai acontecer – e cada vez com mais frequência. Aos nostálgicos do racismo, da segregação e da estereotipificação “do outro”, resta destilarem ódio, racismo e preconceito agora… E por consequência, serem esquecidos depois.
Para finalizar num bom tom, segue uma thread de reações de crianças negras ao novo trailer de Little Mermaid!
— Lai💔 (@normanination4) September 11, 2022