O motivo que torna Nomadland um filme excepcional vai além dos critérios exclusivos da Academia na premiação do Oscar, vá por mim!
O título dessa obra faz menção a uma “terra de nômades”, o que provavelmente deve ser atribuído ao próprio Tio Sam. A trama está contextualizada logo após a crise de 2008, quando muitas pessoas perderam seu dinheiro e se viram obrigadas a adotar um estilo de vida alternativo, vivendo com o necessário para sobreviver. Já em 2011, acompanhamos a jornada de Fern, uma mulher madura que viaja pelo país na sua van enquanto arruma empregos temporários e cria conexões com pessoas que ela conhece na estrada. A partir daí, de acordo com a época, ela enfrenta determinados problemas no seu cotidiano e deve refletir sobre o que fazer em seguida.
Como foi possível observar, a trama não é necessariamente empolgante ou mirabolante, e essa breve sinopse que soltei aqui já dá o tom do filme, que é íntimo e minimalista, focando na protagonista interpretada magistralmente por Frances McDormand e no seu dilema. Nesse sentido, o estilo documental que a diretora e roteirista Chloé Zhao (que também irá comandar Os Eternos, da Marvel) optou por seguir acaba caindo como uma luva, visto que o propósito é apenas acompanhar a personagem e, dessa forma, refletir sobre aspectos dessa galera, mas sem parecer algo na linha do Globo Repórter.
Quando faço essa comparação, quero dizer que a forma de contar essa história não deixa o espectador em cima do muro, jogando ele diretamente naquele contexto. Tal fato fica evidente quando notamos que o elenco, com exceção da protagonista e do ator David Strathairn, é formado por nômades modernos reais, que emprestam sua “atuação” para o projeto, interpretando eles mesmos ou versões fictícias de si. Isso é uma característica do neorrealismo italiano, um processo semelhante que Hector Babenco fez no seu filme Pixote – A Lei do Mais fraco (Confira aqui nosso texto sobre o filme), dando um tom mais cru e “real” à obra e jogando quem está assistindo diretamente na cena.
O roteiro – também premiado com o Oscar – é inteligente e objetivo, algo expresso ora nos diálogos pontuais, ora na passagem de tempo. Sobre esse último aspecto, a gente sabe que ocorrem saltos temporais a curto prazo, mas nunca sabemos exatamente quanto tempo se passa entre determinados acontecimentos, e isso é mais uma evidência da estética realista e documental que a diretora quis dar ao seu filme. A gente tem uma noção dos saltos por conta de elementos presentes nos cenários ou no visual de determinados personagens, que muda. Mesmo que a gente não tenha uma noção exata do tempo, compramos a ideia de que a proposta era mostrar uma “compilação” dos momentos mais emblemáticos da jornada de Fern. Essa também é a ideia do material original no qual o roteiro é baseado, um livro que contém relatos e histórias de nômades modernos.
Alguns elementos técnicos também chamam atenção, como a trilha sonora envolvente de Ludovico Einaudi, que inclui músicas calmas e também sons de piano, que dão bem o tom da história. A sonoplastia também é um fator importante para conectar o espectador com Nomadland, já que o ambiente em que determinada cena está acontecendo também tem algo a dizer sobre a trama. Isso fica expresso também na fotografia do filme, que começa em um tom cinzento, e em determinados momentos oscila entre brilho mais alto e também contraste maior.
Dito isso, a gente pode fazer uma alusão também com as quatro estações do ano, como se o filme fosse dividido em Inverno, Verão, Outono e Primavera, não necessariamente nessa ordem, sendo algo ressaltado pela fotografia. São representações da vibe da protagonista, que também não usa cores muito destacadas no cenário, o que colabora para a ideia de uma estética documental, dando a ideia de que a pessoa apenas está ali, seguindo a vida do jeito que dá, mas talvez não da forma que gostaria.
Há também discussões sobre a crise que afetou os Estados Unidos há mais de dez anos, e o impacto que isso teve sobretudo na classe média. Isso é mostrado no filme quando há um choque de realidades e a Fern acaba tendo contato com pessoas de uma classe social mais favorecida financeiramente, e o discurso proveniente dessa galera reflete a ignorância acerca das consequências de uma crise financeira. Nesse momento, destaco uma frase do filme, uma senhora alfinetada:
“É estranho que você encoraje pessoas a investir as economias, se encherem de dívidas para comprar casas que não podem pagar”
Por outro lado, a importância da narrativa é falar sob o ponto de vista de quem está inserido naquele contexto, e a Fern encontra muitas pessoas que estão em situação de nômade por necessidade, e em outros casos isso funciona como uma espécie de “jornada de cura” para alguns, que pegam a van e saem pelo país. É algo relativo, mas interessante de se observar na ótica do roteiro do filme. Determinadas situações que a Fern vivencia a colocam em xeque com sua realidade, recebendo a opção de se sobressair de um “jeito fácil”, mas que não a deixa satisfeita e ela acaba optando por seguir “à moda antiga”. Assim, Nomadland trás a tona uma trama que fala sobre zona de conforto, desapego de bens materiais e o fato de ser uma pessoa independente, e isso permite várias interpretações. Porém, o que importa no fim das contas é o que está sendo mostrado, e não sugerido. Ou será que não é bem assim?!
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nomadland é um retrato íntimo e pessoal sobre um estilo de vida opcional para alguns, mas imposto a outros por consequência do desemprego. A narrativa dele é bem lenta, mas também descompromissada e não tem noção de direcionamento. Assim como Wolfwalkers (confira aqui a nossa Review), esse é um dos filmes que apareceram na listinha do Oscar que eu mais gostei! O espectador acaba preso à história após ser hipnotizado pelo carisma dos personagens e também se identificar com a jornada pessoal de cada um. Então, see you down the road!