Seguindo com a série Quadrinhos e Racismo, falamos sobre um dos principais personagens negros na Marvel nos dias atuais: Um herói conhecido por sua durabilidade, força extrema, e por ser um cidadão negro estadunidense que carrega o trocadilho com cela em seu nome: Luke Cage, o Negro a prova de balas.
Mark Lucas nasceu no Harlem e era membro de uma gangue. Preso por um crime que não cometeu, acabou sendo submetido a um experimento com o soro do super-soldado na prisão. Porém, é vítima de uma sabotagem no processo e acaba ganhando habilidades especiais. Com força sobre-humana, ele acaba fugindo da prisão e se tornando um herói de aluguel, adotando o nome Luke Cage.
Luke Cage aparece em uma posição que exprime um misto de raiva e dor pelas lembranças do passado. O desenhista George Tuska (criador do personagem) parece querer exprimir ali, toda a dor do povo afro – americano, que a vida de Cage representaria a de muitos deles: a vida na pobreza, envolvimento em atitudes criminosas, e repressão pelo Estado por meio da força. (GUERRA, 2011)
Luke Cage foi uma personagem criado para seguir uma febre cinematográfica chamada Blaxploitation. Criada nos anos 70 sob influência da estética do grupo político Panteras Negra, essa tendência apresenta heróis negros, geralmente vindos de bairros pobres carregados de gírias e da ‘malandragem’ dos guetos americanos. Luke Cage também foi o primeiro herói negro a ter características do movimento negro Black Power no uniforme, e repete também o passado trágico, unindo vários estereótipos trágicos da negritude, sendo ele ex-membro de gangue, preso por crime que não cometeu, e claro, carregar o nome “cela” (Cage) consigo.
Nos quadrinhos iniciais de Luke Cage – Hero for Hire o primeiro atributo que fica claro é também o estereótipo mais comum a ser posto por entre personagens negros em filmes, séries e quadrinhos; o negro raivoso. Esse clássico estereótipo não se encontra fincado apenas no personagem principal, mas em basicamente todos os sub personagens e coadjuvantes que aparecem durante toda a extensão das primeiras tirinhas. Sobre o estereótipo, Stuart Hall fala em seu livro, Cultura da Representação que:
“A estereotipagem implanta uma estratégia de cisão; o normal e aceitável do anormal e inaceitável(…)A estereotipagem tende a ocorrer onde existem enormes desigualdades de poder.”
(Stuart Hall, Cultura e Representação)
O clássico estudo sobre estereótipos negros de Donald Bogle no livro Toms, coons, mulattoes, mammies, and bucks identifica 5 principais estereótipos: A mulata trágica, a mãe preta, o malandro, o pai tomas e os negros mal encarados. Esse tipo de estereotipificação é muito comum quando se trata de personagens negros do sul dos Estados Unidos e que vivem em guetos, bairros pobres e quaisquer ambientações do gênero. Apesar de ser, como dito anteriormente, uma das estereotipificações mais comuns entre personagens negros, é também a que mais passa despercebida, por além de ser percebida como atributo comum, verídico, é também um alívio cômico por entre comédias e construções de personagens “durões”. Torna-se normal por ser o que vemos comumente. Um pouco mais da cristalização de imagens, já discutido no texto anterior dessa série.
Para além da construção das entrelinhas, sobre o caráter raivoso do personagem, tempos uma construção mais visível, clara, mas ainda assim, cheia de significado. Os poderes do herói do gueto giram em torno de sua força, sua invencibilidade e sua habilidade de ser a prova de balas. É um personagem negro, que surge junto aos movimentos negros que acontecem pelos EUA durante Civil Rights Movement, nos anos 1970, com o movimento Black Power, tempo em que negros eram perseguidos e mortos a tiros, por policiais e por aqueles que lutavam contra o movimento.
O herói perfeito para trazer um pouco dos dois lados: Representar de forma quase satírica o fato da perseguição policial aos negros, nos movimentos por direitos raciais dos anos 70, com um homem preso por um crime que não comete, e é baleado ao confundirem uma pedra em sua mão com uma arma; um herói que representa o “boom” daquela exploração da negritude no Blaxploitation, utilizando-se da negritude em sua forma mais estereotipada como pano de fundo, e por fim, apresentando algo dentro dos padrões do que espera-se deste personagem, vindo do subúrbio, negro e em busca de vingança. Representa tudo isso, só não representa a negritude de fato.
A série Quadrinhos e Racismo: Os Primeiros Heróis Negros é uma série de posts colaborativos entre Joe (@Joegrafia) e de Mallu (@malluoliveir_a), para falar das origens dos personagens negros nos quadrinhos. Uma série de análises das primeiras aparições dos hoje clássicos heróis negros da Marvel Comics e DC Comics, surgidos ali em meio a Era de Prata dos quadrinhos.