A narrativa clássica é um jornada que se molda pela estrutura, já nas narrativas seriadas essa auto consciência narrativa tem de ser multiplicada a décima potência. Como será que Homeland usa o jazz para narrar e trazer uma camada afetiva para sua construção? Para tematizar a psiquê humana?
Desde o pós-guerra (me refiro à segunda grande guerra mundial), os Estados Unidos despontou como a potência mundial seja na área bélica, quanto na área cultural. Por meio da sua indústria cultural, Hollywood, do plano Marshall e várias outras coisas, o país chegou e está nesta atual posição. Homeland é um dos vários produtos excelentes dessa nação, que entretêm e emplacam narrativas, fazem a manutenção do poder.
Showtime (CBS Corporation)
São muitas as camadas que se sobrepõem entre si, na linguagem cinematográfica, para formar uma história coesa e coerente com a finalidade de nos emocionarmos. Para além da imagem, o som muitas vezes é a expressão máxima quando se quer estimular emoções na audiência. Uma boa música no lugar certo da narrativa pode significar um momento de despertar, de sofrimento, de confusão e a serie opera nesse sentido. O mais complicado, no entanto, e interessante, é a capacidade de transformar a música como essência/força motriz narrativa: quando a música se torna parte da narrativa de uma maneira geral fomentando emoções e recobrindo “emotivamente” os eventos narrados naquele episódio ou filme.
Pegando como referência os estudos de dramaturgos gregos e, posteriormente, com emigração russa, os modelos dramatúrgicos russos, os americanos formularam e pensaram o ato de contar histórias. Homeland, produto norte americano, faz isso de uma maneira muito oportuna e sagaz em relação à tematização de suas pautas em sua trilha (score) e soundtrack.
Acho que primeiro é interessante a gente distinguir essas duas coisas: Não, elas não são a mesma coisa. “Score” seria a trilha sonora original, composta por algum músico; já soundtrack é a seleção musical (de músicas não pensadas originalmente para a peça audiovisual) feita pela equipe criativa da série. Nesse sentido, Homeland é definida, tanto a trilha sonora como a seleção musical, por uma palavra: Jazz.
Sim, o bom e velho jazz. Não se trata só de ter coesão. Homeland traz elementos intranarrativos e extranarrativos através do Jazz. E com isso, molda e estimula a audiência a entrar na psiquê da protagonista (que, por acaso, ama o gênero musical). Nesse sentido, o jazz me parece como um expositor emotivo, que traz à narrativa o processo de subjetivação da personagem. Ele é o caminho pelo qual acessamos a psiquê da protagonista.
E aí, que eu acho que o jazz entra no meio caminho entre a faísca que inicia o calor da identidade da protagonista, mas ao mesmo tempo recobre a narrativa como mais uma camada. Além de tudo isso, os usos das sonoridades desse gênero só são tão legais por conta de um bom roteiro e direção etc (alô alô amigos russos e gregos).
Na primeira temporada, Carrie Mathison lida com Abu Nazir e enfrenta o clímax da bipolaridade embalada com a música “Trista”, de Tomaz Stankó.
A série trata de temas como loucura, paranoia, investigação (já que se trata de uma série de espionagem), democracia, poder, individualidade e psiquê. E o que é mais coeso com tais temáticas do que um gênero que se sustenta na improvisação? No futuro próximo desconhecido? Um gênero que aparenta desordem, mas a partir dele se constrói, em alguma medida. A série tem em sua seleção musical nomes como o incrível Miles Davis e o quintento polonês do jazzista Tomazs Stankó e finaliza com o maravilhoso Kamasi Washington.
Sean Callery é o compositor de Homeland.
Já a icônica música dos títulos iniciais, composta por Sean Callery, que consegue materializar os temas já mencionados, tem uma pulsão energética que, de algum modo, te faz entrar no emaranhado de informações que a mente da protagonista, a Carrie (Claire Danes). No meio de tudo, isso a série traz uma transnacionalidade através dos sons: a música Terminal 7, conhecida como música dos finais de episódios dramáticos da série, consegue evidenciar uma batida do oriente médio somado com alguns toques de instrumento de sopros do mesmo local. O que também está em sintonia com as mudanças espaciais da narrativa.
Associado ao jazz livre e à vanguarda, Tomasz Ludwik Stańko foi um trompetista e compositor polonês.
O jazz em Homeland não só evoca sentimentos e estimula o público a sentir o que a protagonista está sentindo: ele te coloca literalmente na mente dela, te leva aos locais aonde ela vai, de certo modo, e além de tudo isso, serve como trampolim, ou melhor, pulsão/energia criativa para a narrativa. É a música tomando forma e se materializando em eventos narrativos e os motivando pelos percalços do inesperado.
A música da série cria emoções, identificações, une elementos que nos fazem empatizar com Claire (uma mulher que ordena ataques aéreos contra civis). Viver talvez seja como uma música de Jazz: parece que tem um sentindo, uma melodia guia (head), mas, na maioria das vezes, só estamos improvisando e trabalhando com as nossas atuais bases materiais, mesmo que um país potência nos bombardei para tomar nosso petróleo!
Após concluir essa jornada de 9 anos e 8 temporadas, dou 5 motivos – além do JAZZ – para você começar a assistir hoje mesmo!
O gênero da série
Homeland é uma série investigativa que conta a história da agente da CIA, Carrie Mathison, e a recepção de um soldado americano resgatado no Iraque, Nicholas Brody. A partir dessa situação, a série trabalha questões diplomáticas, militares, táticas e políticas envolvendo a relação EUA e Oriente Médio.
Não é simplesmente uma série criminal ou política, é muito mais do que isso. Homeland tem um fortíssimo drama por traz dos seus personagens e situações relatadas, romance no momento que é propício para isso, e ação durante as cenas de guerra civil e tática entre EUA e Oriente Médio, proporcionando assim um relato sobre guerras que vemos no dia a dia muito bem adaptado para o entretenimento, como nenhuma outra trama foi capaz de fazer de forma tão bem estruturada.
A proximidade da realidade
Não foi por um acaso que eu comecei a ver Homeland. Durante uma entrevista no ano de 2011 ou 2012, Barack Obama disse que uma das séries que ele mais gostava de acompanhar naquele momento, era justamente Homeland! Mas daí me coloquei a pensar em como e porque o presidente da maior nação do mundo gostava tanto de uma série que tinha como principal tema o terrorismo.
Para que um chefe de estado tenha pompa para falar em público tão bem de uma série que aborda um assunto delicado quando falamos de Relações Internacionais, é porque de fato há algo de destaque ali, e com o tempo eu fui descobrindo o que era. Homeland não é Simpsons, mas está tão próxima da realidade quanto nossos amados de Springfield em algumas situações.
Houve momentos que Homeland teve que ter hiatos não previstos no meio da temporada por conta de atentados ocorridos nos EUA e na Europa, com fatos muito semelhantes daqueles que viriam a acontecer na série. Chega a ser creepy quando pensamos na proximidade dos fatos, mas quando procuramos exemplos para aplicar a frase “quando a vida imita a arte”, Homeland é quase obrigação de ser citada.
Outros exemplos que comprovam essa proximidade com a realidade, também são possíveis de ser encontrados por aí. A história do sargento Bowe Bergdahl, resgatado do Afeganistão em 2009, em muito se assemelha com Nicholas Brody na série. Em 2018, durante entrevista a Stephen Colbert, Claire Danes revelou que tinha concluído as gravações a alguns meses em que o foco seria uma interferência russa nos EUA. Ora, ora… justamente quando haviam investigações rolando em solo americano, causando grande desconforto com o governo Putin! Coincidência, a gente vê por aqui.
A imparcialidade dos fatos
Historicamente, os EUA tem uma péssima fama de avassalador contra o Oriente Médio, sendo causador de guerras muitas vezes sem uma motivação real, apenas um boato que motiva a imposição americana sobre tudo e todos que entrarem em sua frente. Homeland não tem medo de abordar isso, e muito pelo contrário, o faz de forma corretíssima.
Durante diversas situações na série, vemos os dois lados da moeda. O comportamento americano e o reflexo do Oriente Médio quanto a determinada medida política ou armamentista tomada. Homeland é uma obra de pura ficção, mas nos colocamos a pensar até que ponto aquilo não poderia ser realidade.
Iraque, Afeganistão, Paquistão, Sudão, Moscou e Berlim são alguns dos locais que a série visita durante as 8 temporadas, sendo precisa e detalhista em cada um deles. Nada em Homeland é superficial, afinal estamos tratando de um tema bem delicado, aonde há todo um trabalho da produção da série em transparecer a realidade do povo de cada país e das relações políticas sem ofender um lado ou outro da história.
Claire Danes
Merecedora de todo reconhecimento pela brilhante atuação como Carrie Mathison, Claire Danes é vencedora de dois prêmios Emmy (2012 e 2013). A atriz atingiu o ápice da atuação com a personagem protagonista da série, sendo muitas vezes taxada de louca, outras como genial, chegando ao final de Homeland figurando o topo do protagonismo na TV emparelhado com grandes nomes, como Walter White e Michael Scofield, cada um a sua medida.
Sofremos e lutamos com Carrie a cada nova investigação e crise psiquiátrica da mulher que não poupa esforços para obter as informações que busca, sendo aquele tipo de heroína que não usa capa, mas honra a cada movimento o juramento que fez pelo seu país. A garota de Stardust e a Julieta de Romeu saiu para deixar espaço a melhor investigadora que a CIA já viu.
Mandy Patinkin
Você provavelmente o conhece como Jason Gideon de Criminal Minds, mas Mandy deixou essa pomposa barba crescer para viver um dos melhores personagens de sua carreira: Saul Berenson. Nome forte na CIA e presente na carreira de Carrie no inicio ao fim, faz o papel de conselheiro, chefe e pai que Carrie não tem muito presente durante sua jornada. O cabeça de toda a história, é responsável por orquestrar as ações estratégicas da CIA, sendo capaz de parar uma guerra com uma simples ligação.
De origem israelense, Saul tem influência em todos os governos que possuem algum atrito com os EUA pelo mundo, e é peça fundamental quando as questões envolvendo diplomacia, movimento estratégico ou negociações em prol de informações ao redor do mundo. Assim como Carrie, passa por uma fase drástica em sua carreira que quase o levam ao pior, mas se ergue graças a parceria de sucesso com Mathison.