Chegamos ao fim de Quadrinhos e Racismo! E para fechar com chave de ouro, vamos falar dele, que é considerado o MAIOR herói negro de todos os tempos. Aquele que abriu diversas portas para diversidade de cores, mas que também, infelizmente, carrega diversos problemas de representação, racismo, e estereótipos de negritude… O PANTERA NEGRA!
A Marvel “nasce” da Guerra Fria, assim como maior parte de seus heróis, cujo background é construído pelo tópico das bombas nucleares, fusões e toxicidade. O Pantera Negra surge do medo crescente e iminente da contínua descolonização da África no período da Guerra Fria, onde o mundo via-se dividido e a procura de recursos naturais e espaciais para fortalecimento próprio. Medo de descolonização dos Estados Unidos, cuja “perda” da África significaria muito mais perda capital do que se pode imaginar. Pantera Negra surge também como uma defesa para si mesmos desse capital.
“[…] mostra como o Pantera Negra é usado para aliviar retoricamente esses medos ‘provando’ que os novos estados-nação africanos se alinhariam com o Ocidente.” (LUND. 2018)
T’Challa – Rei e herói da nação secreta de Wakanda, que carrega o título de Pantera Negra, nos confins da África. A missão dos Pantera Negra é de conservar a si mesmos de um mundo colonialista e defender sua maior riqueza e fonte de poder e tecnologia; o Vibranium, espécie de ferro alienígena de grande poder e utilidade, cuja única grande porção existente na terra se localiza lá em Wakanda. T’Challa chega ao trono depois da precoce morte de seu pai, T’Chaka, que morre defendendo as riquezas de Wakanda do arqui-inimigo dos panteras negras – O colonizador, dessa vez retratado por um homem chamado Klaw.
A primeira história em quadrinhos do Pantera Negra é meramente introdutória, na tentativa de chamar atenção não só ao personagem, mas tudo o que o cerca; sua história, sua nação fictícia – embasada e localizada no continente africano, e, sobretudo, suas raízes. Mais que uma história sobre um herói, os quadrinhos do Pantera Negra narram a história de um povo, de uma família real africana. Diferentemente dos quadrinhos do Falcão, em Capitão América, a negritude do personagem é contada de forma muito mais sutil, apesar de ser muito mais rica de ambientes, sub-plots e pseudo-negritudes vistas a cada cenário. O quadrinho é mais “inteligente” na entrega das informações que quer desenvolver aos poucos, no decorrer dos quadrinhos que viriam nos próximos meses. Apesar de sutil, os negros não passaram despercebidos dentro do mundo mágico das tiras de banda desenhada (Paraíso, 2008).
Se partimos do entendimento de que os meios de comunicação não apenas repassam as representações sociais sedimentadas no imaginário social, mas também se instituem como agentes que operam, constroem e reconstroem no interior da sua lógica de produção os sistemas de representação, levamos em conta que eles ocupam posição central na cristalização de imagens e sentidos. (CARNEIRO, 2003, p. 125). “
A super-tecnologia não ofusca em momento algum a também retratada tradição africana, transcrita em cores, ritmos e instrumentos no decorrer de toda a primeira comic. Até ali, não é clara a aliança que seria erguida entre o Quarteto Fantástico e o reino de Wakanda, pois isso só viria a acontecer no meio do arco, vários quadrinhos à frente. Ali então seria pontificada a relação dos quadrinhos do Pantera Negra com a Guerra Fria. O que nos é entregue nessa primeira superfície do herói negro e africano são suas fortes ligações com a terra e com o povo, mas sempre com uma clara áurea da tentativa do escape dos estereótipos, às vezes acertando, outras vezes não.
Eu queria criar o primeiro super-herói negro, mas queria evitar estereotipá-lo. Então pensei… Ao fazer um super-herói, a primeira coisa que você tem que pensar é – qual seria um bom nome para ele, e que bom super poder ele teria? Preciso admitir que por vezes recorro a nomes de animais como O homem ‘Aranha’, ou Doutor ‘Octopus’, e por aí vai […] Então pensei em ‘O Pantera’, ‘O Pantera Negra.’ (LEE, 2005, p.40).
As informações que mais marcam o caráter subversivo do Pantera Negra ficam armazenados por último, na última tiragem da primeira comics. O Pantera Negra não é meramente um herói mascarado, como os demais que conhecemos. Diferentemente destes, sua máscara não é utilizada como um esconderijo para a sua identidade, porque a sua identidade é exatamente essa. É um símbolo de seu ‘poder de pantera’, como os próprios quadrinhos falam. A simbologia nos leva para além dos quadrinhos com esta simples frase – nos leva exatamente para os movimentos negros, dos Black Panthers, de 1966.
Portanto uma coletividade ou um indivíduo se definiria através de histórias que ela narra a si mesma sobre si mesma e destas narrativas pode-se extrair a própria essência da definição implícita na qual está a coletividade da narrativa e consequentemente da literatura.(BERND 1988, p.57 apud SILVA 2016, p.9).
O Pantera Negra, porém, não é um personagem autônomo, apesar de sua inteligência e recursos. Nas histórias em quadrinhos, serve de ajudante para o Quarteto Fantástico. Na revista de número 52, analisada neste trabalho, ele se faz útil ao time norte americano, e isso não é incomum. Para o pesquisador em quadrinhos Weschenfelder, os personagens negros nas histórias em quadrinhos dos famosos heróis da era de ouro “eram vilões, ajudantes ou vítimas dos maquiavélicos vilões da história, sempre precisando ser salvo pelo herói branco” (WESCHENFELDER, 2013). Pantera Negra de 1966 é um personagem criado por dois autores brancos; é um personagem desapropriado de sua origem negra, não-coletivo e desenvolvido distante da vivência negra. Logo, não pode trazer representatividade: apenas representar um discurso político e estético.
A série Quadrinhos e Racismo: Os Primeiros Heróis Negros é uma série de posts colaborativos entre Joe (@Joegrafia) e de Mallu (@malluoliveir_a), para falar das origens dos personagens negros nos quadrinhos. Uma série de análises das primeiras aparições dos hoje clássicos heróis negros da Marvel Comics e DC Comics, surgidos ali em meio a Era de Prata dos quadrinhos.