A explosão supercriativa da Marvel na década de 60 e 70 foi muito menos progressista e muito mais onda de marketing e continua até hoje. Não estou querendo ser cruel ou dizer que não é importante a diversidade introduzida nos quadrinhos sejam eles na década de 60, 70 ou em 2018. E a empresa introduziu em seus quadrinhos uma Miss Marvel muçulmana de origem paquistanesa (Khamala Khan), criou um universo onde Tony Stark é uma garota negra chamada Natasha Stark, tirou o martelo Mjollnir das mãos de Thor Odinson e o colocou nas mãos de Jane Foster, substituíram Peter Parker pelo negro-hispânico Miles Morales entre outros personagens. Os X-men, criados no auge do movimentos sociais, foram metáforas para a preconceito contra a comunidade LGBT e durante muito representaram a diversidade dentro do Universo Marvel.
Mas, apesar de tudo isso, nenhum desses personagem fez uma real transformação dentro do mundo da Marvel. Em seu ensaio de 1972, “O mito do super-homem”, Umberto Eco descreve a estranha temporalidade que caracteriza narrativas de histórias em quadrinhos de longa duração. As história funcionam como anti-narrativas: os eventos “acontecem” apenas para que possam ser rapidamente revertidos, de modo que o status quo original da fantasia (um super-herói, tipicamente um homem branco em seus vinte e poucos anos, operando em um mundo que é basicamente igual ao nosso) nunca está sob revisão ou reconsideração. Ou seja, os eventos além da história de origem do personagem não têm consequências que permaneçam, seja para o indivíduo ou para a sociedade, maior em que vivem. Os heróis podem derrotar bandidos, alienígenas e robôs mas, não podem causar mudanças duradouras que alterem o status quo já preestabelecido.
Dito isso, precisamos olhar atentamente para o propósito da criação do personagem T’challa. A Marvel “nasce” da Guerra Fria, assim como maior parte de seus heróis, cujo background é construído pelo tópico das bombas nucleares, fusões e toxicidade. O Pantera Negra surge do medo crescente e iminente da contínua descolonização da África no período da Guerra Fria, onde o mundo via-se dividido e a procura de recursos naturais e espaciais para fortalecimento próprio. Medo de descolonização dos Estados Unidos, cuja “perda” da África significaria muito mais perda capital do que se pode imaginar. Pantera Negra surge também como uma defesa para si mesmos desse capital.
O que mudou? Porque Pantera Negra vem sendo usado como símbolo do movimento afrofuturista?
Pantera Negra não é um filme independente, nem uma história de origem no sentido tradicional. Sua narrativa é disciplinada pelo estúdio, pela produtora e pela lógica de mercado. A inexistência de Wakanda “até agora”, sua recusa em participar de eventos globais, mesmo em face do tráfico de escravos e da colonização européia(como introduzido nas primeiras cenas) torna-se um ponto crucial no filme: a motivação para a raiva de Killmonger e a raiz de sua radicalização. política. O que Wakanda realmente significaria para o globo – materialmente, tecnologicamente, economicamente, filosoficamente, espiritualmente – seria tão radical a ponto de romper permanentemente a conexão entre “lá” e “aqui”, na qual o eterno presente do Universo Cinematográfico Marvel é baseado.
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