Há 188 anos acontecia a Revolta dos Malês. Um movimento de resistência à opressão, um manifesto dos escravizados em Salvador, Bahia, em busca da liberdade religiosa, e pelo fim da escravidão! Mas afinal, o que a resistência negra, Revolta dos Malês e quadrinhos têm em comum?! Vem com a gente para entender!
Por Joegrafia – Negro. Comunicador e Radialista. Editor, roteirista e fundador do NerdSpeaking. 🎙
A Revolta dos Malês foi possivelmente o maior levante de negros escravizados que aconteceu no Brasil, reunindo, mais de 600 escravizados em diversas lutas generalizadas por toda a capital da Bahia, Salvador. Aconteceu no dia 24 de Janeiro de 1835, durando menos que um dia… Mas a revolta impactou a história da escravidão em todo o País. Uma revolta que reverberou por todos os 4 cantos do país, ainda que não tenha de fato atingido seu objetivo final – a instituição de um governo malê (mulçumano), pondo abaixo o regime escravocrata contra negros e negras.
Sendo Salvador uma das capitais mais populosas em negros, mestiços e afrodescendentes (78% da população) era o local ideal para que acontecesse um levante como esse, que precisava de ampla participação da população escravizada, com constante contato. A rebelião buscava derrotar o governo branco posto na época, bem como seus abusos e é claro, a escravidão. Mas para bem além da liberdade física, a Revolta dos Malês buscou liberdade religiosa para si, uma revolta formada pelo povo Malês (que traduzindo do Iorubá significa muçulmano) em conjunto com o povo nagô da Bahia, misturados entre o Islamismo e o Candomblé – que lado a lado lutaram pela libertação.
É claro que a rebelião fracassou em seu objetivo de liberdade. Dos mais de 600 escravizados que lutaram com e por suas vidas, pouco sobrou. Os escravizados que foram detidos foram sentenciados de diversas formas diferentes, entre o fuzilamento, açoite e deportação para o continente africano. Um dos principais líderes malê, Pacifico Licutan foi condenado à pena máxima de açoite, que eram 1200 chicotadas.
Mesmo com a derrota, a Revolta dos Malês reverberou por todo o país, fazendo com que mais levantes continuassem a acontecer, acendendo mais e mais o espírito de luta entre negros e negras, povo nagô, malês por todo o país! A revolta sem dúvida trouxe medo aos escravocratas, e abalou a sociedade em sua época.
E o que tem a ver, quadrinhos e Revolta dos Malês?
185 anos depois da Revolta dos Malês, a história dos negros e negras que lutaram por suas liberdades continua viva como nunca! E em 2020 os quadrinhistas Fábio Costa e Igor Souza montaram a HQ baiana – Rocha Navegável, que homenageia não só a luta pela liberdade do povo preto em Salvador de 1835, mas reascende a luta que foi também espiritual dos malês.
“O povo preto é esquecido nesta cidade de pretos.”
Rocha Navegável é um apelo por justiça, um grito continuado da Revolta dos Malês. Os espíritos daqueles negros derrotados volta para cobrar a feitura de um monumento em sua homenagem ali no Campo da Pólvora, onde tantos foram enterrados em vala comum, cemitério daqueles que lutaram pela liberdade.
Numa constante discussão sobre memória, apagamento e a vigia constante para que a história que é contada seja justa, Rocha Navegável nos leva literalmente à uma viagem pelos diversos “Brasis” que cabem em nosso país. Como pode tanta luta e história serem tão rapidamente apagados? Como podem tantas histórias de resistência serem esquecidas?
Rocha Navegável não nos traz respostas para tanto apagamento. Mas sem dúvida alguma exalta a luta pela resistência, pela justiça, pela memória e nos convida a lembrar – entre ficção e realidade – da luta do povo preto, imigrante, malê que pisou em solo soteropolitano, baiano e brasileiro.
“Quase todos os monumentos são homenagens a brancos.”