Wolfwalkers é uma linda animação irlandesa indicada ao Oscar que possui conflitos bem estabelecidos e merece ser vista!
Entre as obras cinematográficas que foram parar na lista de indicados ao Oscar de Melhor Animação, destaca-se Wolfwalkers, uma produção que além de contar uma linda história do folclore irlandês, também possui todos os elementos característicos de uma adaptação de contos de fada, algo que não se limita apenas à estética da animação em 2D.
Realizado em co-produção com Irlanda, Reino Unido e França, Wolfwakers se identifica enquanto uma fábula infanto-juvenil que aborda em sua trama de fantasia uma mensagem poderosa sobre amizade, lealdade e coragem. A história é ambientada na Irlanda de 1650 (na transição do final da Idade Média para a Idade Moderna) e se passa em um vilarejo localizado no meio de uma floresta. Lá, nós conhecemos nossa protagonista, a inglesa Robyn, uma garota que sonha em ser uma caçadora de lobos como o seu pai, que é um dos súditos mais leais ao Lorde Protetor, o cruel representante da comunidade.
Um dia, ela vai à floresta escondida para caçar e encontra Mebh, uma garota da sua idade que é uma Wolfwalker, uma pessoa com poderes de cura e que tem habilidade de conversar com os lobos e também de se transformar em um deles enquanto seu corpo dorme. Robyn e Mebh acabam desenvolvendo uma grande amizade que coloca em conflito os costumes tradicionais do vilarejo com a vida na floresta, já que o Lorde Protetor deseja exterminar os lobos do local.
Em alguns momentos, esse filme me lembrou um pouco Irmão Urso, da Disney, de forma que temos uma trama que possui duas realidades em contraste, e duas pessoas diferentes que são fruto de cada uma se envolvem e constroem um laço de amizade que pode ser comprometido no decorrer da história. A premissa pode parecer clichê, mas Wolfwalkers trata esse assunto baseando-se no folclore local, uma vez que esse filme é o último de uma trilogia independente, cujos filmes são abordados dentro da cultura irlandesa.
Ao mesmo tempo, os diretores Ross Stewart e Tomm Moore conseguem passar uma mensagem poderosa ao espectador, independente da idade. Embora os cenários belíssimos – que parecem ter saído diretamente de um livro infantil cheio de cores que parecem estar vivas – e o contraste entre o mundo cinzento de Robyn e o colorido de Mebh já consigam deixar evidentes as discussões sobre amadurecimento e liberdade, é mesmo por meio da ótima construção de personagens que observamos esses temas abordados na prática.
Do lado da vila, temos a imagem de um povo que se julga “civilizado” e superior, cujo representante (na forma do Lorde Protetor) representa a intolerância e o fanatismo religioso através do discurso de ódio, ordenando aos seus súditos a submissão total. A paleta de cores do vilarejo, quase sempre em cinza vivo ou outra que seja neutra, também traduz essa sensação, e isso fica ainda mais evidente quando analisamos a Robyn, uma garota à frente do seu tempo cujo destino já parece ter sido traçado, já que de acordo com aquela realidade “uma vida justa” para uma moça é trabalhar na copa e cuidar da família. Buscando lutar contra esse sistema, Robyn deseja ser uma caçadora, e nos identificamos com ela.
Na floresta, cores vibrantes cuidadosamente desenhadas com ilusão de profundidade – lembrando muito o uso da câmera multi-plano nas animações antigas – e representam o mundo de Mebh, que lidera sua matilha enquanto sua mãe está ausente, enquanto lida com sua infância e a inevitável maturidade diante do que ela enfrenta. Assim como a visão da Robyn sobre sua zona de conforto, essa é a realidade sob o ponto de vista de uma criança, e isso consegue ser passado para o espectador de forma lúdica. Nunca é nada mecânico ou sem vida, muito pelo contrário, pois os conflitos são muito bem estabelecidos.
A trilha sonora, que inclui uma música cantada por Mebh e Robyn, é belíssima, e destaque também para a melodia que faz referência à cultura medieval, com uso constante de flautas. Quando os Wolfwalkers estão se comunicando com o resto dos lobos, também temos um show promovido pela cor amarela, que representa a alma dos envolvidos. A sonoplastia é um elemento muito favorável ao filme nesse momento, desde as músicas até os sons dos uivos dos lobos, que hipnotizam.
Se Wolfwalkers é uma ótima animação para o público infantil e também para os adultos, isso se deve ao roteiro muito bem alinhado que aborda assuntos que geram uma boa moral da história, o que certamente vai encantar muita gente. O ritmo do filme é alucinante, já que são mais de 120 minutos de história, e são tantos acontecimentos que a gente nem sente quando tudo já está chegando ao final. Nos importamos com os personagens e chegamos a nos envolver diretamente com a história à medida que ela vai avançando. Um ponto que ficou em aberto foi o limite dos poderes dos wolfwalkers, já que não fica muito claro em que momento exato a pessoa pode se transformar em lobo, mas é um fator que pode ser relevado quando a gente fica imerso na narrativa e simplesmente segue os personagens até o final.
Considerações finais
Wolfwalkers é um filme encantador que passa uma bela mensagem para o público, além de despertar o interesse por animações produzidas em outros países. Embora a estética seja o que mais chama a atenção mundo afora, – e por uma boa razão – a alma da história está nos personagens e na sua conexão com essa realidade, representada através da amizade de duas meninas de realidades diferentes mas possuem um objetivo em comum: a paz.