Entre os indicados ao Oscar por Melhor Roteiro Adaptado, O Tigre Branco pode passar despercebido, mas é uma obra que merece muito ser vista e discutida sobre vários pontos de vista.
ATENÇÃO: O TEXTO CONTÉM SPOILERS!
The White Tiger é uma co-produção entre Índia e Estados Unidos, e isso é notável no decorrer da narrativa, uma vez que a obra de 2021 possui uma dinâmica comum do cinema bollywoodiano, porém em outros momentos traz evidências que o caracterizam como um produto comercial, feito intencionalmente na tentativa de conquistar o mercado ocidental. Dessa forma, o filme conseguiu uma indicação ao Oscar de Melhor Roteiro Adaptado, e desde que foi lançado no Brasil pela Netflix, tem despertado a curiosidade dos assinantes.
A trama do filme aborda Balram, um jovem indiano que faz parte da população extremamente pobre daquele país, e vive com sua família em um pequeno vilarejo. O rapaz é bem ambicioso, e consegue se aproximar de pessoas influentes, passando a trabalhar como motorista de uma família rica com negócios misteriosos. No decorrer do filme, observamos o Balram seguindo à risca textos maquiavélicos e contando a sua trajetória, uma vez que o personagem narra o filme após já ter se tornado um empresário bem sucedido.
No que diz respeito à qualidade dessa produção cinematográfica, trata-se de uma obra muito bem executada, com um roteiro alinhado e uma direção de atores que permite que o espectador se conecte com os personagens, ainda que não concorde com suas atitudes. Alguns elementos presentes no filme remetem a uma visão de mundo um tanto ocidentalizada, uma vez que até mesmo os princípios que o protagonista segue no decorrer da história são oriundos do Neoliberalismo econômico, por exemplo. Nesse sentido, também há uma constante comparação com a política estadunidense e também com o American Way Of Life, visto que parte da família que Balram trabalha passou um tempo nos EUA e retornou à Índia com uma visão de colonizador.
Dito isto, a primeira referência que me vem à mente, cinematograficamente falando, é “Barravento”, o primeiro longa-metragem da carreira do cineasta brasileiro Glauber Rocha. Na história, um homem retorna à sua cidade natal, uma vila de pescadores, após ter passado um tempo fora e recebido uma educação de “alto padrão”. Quando ele retorna às suas origens, passa a enxergar aqueles costumes como equivocados ou retrógados, e acaba assumindo uma postura arrogante diante da sua comunidade.
O Balram toma uma atitude semelhante quando vai visitar sua família enquanto está de folga, e ainda que o personagem tenha fundamento no que diz respeito à sua desconfiança sobre o tradicionalismo da matriarca da casa, é notória uma clara influência ocidental. E isso não se limita apenas à representação do neoliberalismo: é algo que vai além.
O filme também apresenta um ponto de vista do socialismo – ao menos a forma como ele é representado por alguns líderes – por meio de parte da população da Índia que idolatra “a grande socialista”, a mulher que os representa politicamente. Quando Balram conhece essa senhora, observa-se que esta é subornada por empresários influentes para que estes não paguem seus impostos. Ele não toma partido, apenas está ali como uma peça no tabuleiro daquele jogo de interesses, e durante boa parte do tempo nós somos inseridos naquele contexto por meio dos olhos de Balram.
Assim, O tigre branco apresenta sua própria visão não apenas do socialismo como também de qualquer regime político, mostrando que as ideologias embora sejam diferentes, não impedem que seus seguidores utilizem meios ilícitos para se manter no poder ou subir neste. Dessa forma, mais uma vez o filme se mostra uma crítica ao capitalismo e, através do Balram, dialoga com o público sugerindo que “os fins justificam os meios”, já que para ter o que almeja, o jovem toma atitudes drásticas.
O que faz deste um ótimo filme é a forma como ele representa a pirâmide de estratificação social, na qual poucos estão “acima” de muitos e não estão interessados em dar oportunidades para os que estão “abaixo” deles, a menos que possam se beneficiar com esse feito. Os elementos caricatos do filme também servem para ilustrar esse tipo de comportamento, principalmente quando o oprimido vira o opressor, e embora busque justificar suas ações, acaba mostrando que aprendeu como funcionam as sádicas relações de poder e tira proveito disso sempre que pode. Dessa forma, nada do que Balram fez foi planejado de forma meticulosa, mas foi puramente pela sobrevivência.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O fato dele ser um “Tigre Branco” mostra que o jovem é apenas a “exceção”, e pode subir na vida apenas para beneficiar ainda mais a classe média alta, uma vez que ele conhece os mecanismos das classes menos favorecidas e faz uso disto para seu benefício. Fica o questionamento para o espectador ao final do filme: os fins justificam os meios?