Estou convencido de que fui o último indivíduo na Terra a assistir Ainda Estou Aqui. Então, o que quer que eu diga aqui, é só para desaguar tantos sentimentos e entendimentos de uma época terrível de nosso país que nunca realmente teve fim. De histórias que nunca foram contadas ou, se foram, também não se findaram.
Baseado no livro de mesmo nome, escrito por Marcelo Rubens Paiva, filho do preso político da ditadura e ex-deputado Rubens Paiva. Ainda Estou Aqui narra uma trama pesada, triste e muito comum, de um país que teve sua democracia atacada.
“No início da década de 1970, o Brasil enfrenta o endurecimento da ditadura militar. No Rio de Janeiro, a família Paiva – Rubens, Eunice e seus cinco filhos – vive à beira da praia em uma casa de portas abertas para os amigos. Um dia, Rubens Paiva é levado por militares à paisana e desaparece. Eunice – cuja busca pela verdade sobre o destino de seu marido se estenderia por décadas – é obrigada a se reinventar e traçar um novo futuro para si e seus filhos.” – Sinopse oficial.

Ainda Estou Aqui é esse eco perdido, das histórias perdidas e gritadas ao vento, que buscam – e falham – em encontrar uma justiça plena em nosso país; um Brasil que não julgou a mão pesada da ditadura, que não culpabilizou, prendeu, nem sentenciou tantos militares, que ainda hoje morrem de velhice, sob os esqueletos de tantos desaparecidos. Mas não é uma história contida em si. Assistindo ao filme, fui reparando como reverbera em nosso hoje. Como nada está, de fato, mudado. Como ainda estamos aqui, à espera de respostas, de justiças, de mudanças. Ainda estamos aqui, aguardando motivos para tantas mortes, tanta opressão… E nenhum acerto de contas. Nada.

Vou tirar do caminho o que já tanto foi dito: Ainda Estou Aqui é brilhante na sua fotografia, cinematografia e em tudo que compõe o cenário musical (Warren Ellis) e visual (Adrian Teijido/Carlos Conti). Comentei com minha amiga: Nossa, o Rio de Janeiro continua lindo. E continua mesmo. Dourado, elegante – mesmo que o filme nos queira mostrar o velho Rio, sujo por sua política. Um disfarce, quase uma ironia.
Não há mais nada que seja dito quanto às brilhantes atuações de toda a família de Rubens Paiva – sobretudo a de Selton Mello (Rubens) e, mais ainda, Fernanda Torres (Eunice Paiva). Ela encarna Eunice de uma forma tão verdadeira que nos faz esquecer que estamos assistindo a uma adaptação. Sem mais, entreguem logo os prêmios!
Quanto à direção de Walter Salles, deixo minha única crítica negativa que, de fato, valha algo. É realmente uma pena que o filme tenha se colocado num lugar tão confortável quanto ao seu posicionamento político. É claro que toda a trama que se refere à ditadura não consegue desviar de mostrar quem puxou o gatilho, quem está sujo de sangue. É simplesmente indesviável em toda a produção, bem como a tomada de “partido” no processo de descrever todo o terrível processo de destruição democrática. Mas queria mesmo que o filme tivesse dado “nome aos bois”.

Cansa um pouco estar sempre no campo do oculto, no medo de dizer palavra por palavra o que foi a ditadura, o que é o fascismo, como a direita tomou de assalto o nosso país, nossa democracia. A ditadura, a opressão, o poder estabelecido são só monstros inomináveis. Criaturas sem rosto e, portanto, sem forma – e por não ter forma, não há exatamente como culpabilizar, cobrar, lembrar. Mas é claro que a gente lembra. Fazemos questão.
Ainda Estou Aqui é um recorte de uma história, em meio a tantas outras. Mas atinge em cheio aquilo que nos é tão caro: nosso imaginário, nossas histórias coletivas. Nos sentimos parte porque fazemos parte. Muitos de nós somos filhos desse passado. Todo o país foi atravessado pela ditadura. Mas nem todos conseguiram atravessá-la. Ainda Estou Aqui é este recorte, que nos lembra, redundantemente, que é importante lembrar. E fazer barulho. E resistir também.