Na década de 1960, o revolucionário Carlos Marighella é perseguido pela Ditadura Civil-Militar e, junto com seus companheiros, busca maneiras de enfrentar o regime, por meio da Aliança Libertadora Nacional, indo de encontro ao partido comunista. Só que isso trará graves consequências para todos, assim como suas famílias.
Não existe a possibilidade de falar desse filme sendo imparcial. Na real, de neutro só detergente! Marighella é um filme biográfico que mistura drama e suspense, sendo dirigido por Wagner Moura, que compôs uma obra de resistência ao fascismo e à nostalgia por regimes totalitários. Em termos estéticos, o filme é maravilhoso, com uma direção segura de Wagner, que investe em planos sequência e também nas reações espontâneas dos personagens. Ele é ótimo na construção de cenas tensas, que é o que não falta aqui.
Sentimos empatia por todos os personagens, ainda que nem todos sejam tão bem construídos como deveriam ser. Senti falta de abordarem mais sobre os frades envolvidos, mas essa história já foi contada no filme “Batismo de sangue”, que é um excelente complemento à “Marighella”. Mas o foco do roteiro é mostrar as consequências da luta armada em uma época onde você poderia facilmente assinar o próprio atestado de óbito, e ao mesmo tempo acompanhamos as lideranças lidando com isso de formas diferentes. É até estranho ver o Marighella em momentos descontraídos logo após um acontecimento trágico, mas isso serve para dar maior naturalidade ao personagem.
Dito isso, Seu Jorge manda muito bem como o protagonista, e conhecemos melhor não apenas o guerrilheiro como também o homem. Ele não tinha tempo para ter medo, de acordo com o próprio, mas nós sentimos a sua angústia ao não conseguir se aproximar do filho adolescente, por exemplo. Vemos que ele não se arrepende, mas gostaria que tudo fosse diferente. Vários diálogos são bem bolados, mas outros são frutos de um texto um pouco artificial que poderia ser melhor encaixado no contexto da época. Porém, como a proposta envolve uma abordagem “didática” da Ditadura, isso acaba sendo só um detalhe.
Entenda por “didático” o seguinte: esse filme aborda a pior fase, já beirando o que conhecemos como “os anos de chumbo”, então saiba bem o que vai encontrar: muita violência e tensão, além das injustiças cometidas. As cenas de tortura até que não são tantas, mas são pesadas! O personagem de Bruno Gagliasso, inspirado no sádico Delegado Fleury, é um tanto caricato, mas o ator cumpre bem o papel de fazer a gente sentir raiva do vilão.
Por falar em inspirações, percebi que a maior parte dos personagens ganharam nomes fictícios, como é o caso dos religiosos, um deles batizado de “Henrique”, homenageando o padre Henrique, que foi morto no Recife pela Ditadura. Assim como o jornalista interpretado por Herson Capri é claramente baseado em Vladimir Herzog, que só viria a ser morto pelos militares em 1975; mas isso não soa anacrônico já que estamos falando de liberdade poética. Porém, o personagem de Capri tem uma cena marcante no filme que poderia ter mais impacto se o personagem tivesse maior aprofundamento antes, já que tem pouco tempo de tela.
“Marighella” é bem longo, com mais de duas horas e meia, mas isso não é um problema para quem se interessa pelo assunto ou gosta de produções com pegada diferente. O ritmo é bem lento, intercalando momentos tensos com os mais leves, numa montagem eficiente. Ainda assim, o filme tem cenas em 1964 e outras em 1968, que é onde a trama principal se passa, mas depois disso nós não temos uma noção exata de quanto tempo passou entre os acontecimentos. Seria mais interessante deixarem mais explícitos os saltos temporais, já que o guerrilheiro foi morto em novembro de 1969.
Temos aqui um dos melhores filmes do ano, possivelmente, uma vez que ele é necessário para todos os brasileiros, em especial para alfinetar os que se dizem “patriotas”. E o seu “atraso” acabou provando que a obra veio na hora certa, inclusive sendo lançada no aniversário de 52 anos da morte de Marighella. Sugiro que dê uma chance ao filme e depois se aprofunde mais no assunto pesquisando em fontes confiáveis, inclusive os arquivos do DOPS.