Hoje não é difícil você entrar em uma loja (física ou virtual), e encontrar um título independente bem ali na sua frente. Minecraft, Stardew Valley, Journey, Celeste, para não listar tantos outros, estão saindo do plano imaginário e indo parar direto nas prateleiras.
Tudo é feito do zero: a história, personagens, produção de artes, mapas, gameplay, programação e marketing; nunca contando com ajudas externas de empresas maiores. Para a surpresa de muitos, às vezes, tudo é produzido por uma única pessoa. Um pouquinho louca, um tanto apaixonada.
Um exemplo? Eric Barone criou Stardew Valley totalmente sozinho. Todos os códigos utilizados, a pixel art, música, histórias e dinâmicas foram construídas por Barone por mais de quatro anos e ele nunca pediu ajuda de ninguém em fóruns. Humildemente, ele atribui seu sucesso ao fato de que fazia Ciências da Computação antes e já ter “algum jeitinho” com música por ter se interessado desde novo.
“Ajuda bastante se você conseguir se convencer que você está destinado ao sucesso”, ele continua a narrar na entrevista com a Gamasutra, “Não se trata nem de ego, é um modo de prevenir que medos e inseguranças tirem o melhor de você”. E, de fato, a lição trazida por Barone é algo que todo game dev tem que levar para a vida num mundo em que empresas Triple-A (ou AAA, para os íntimos) tentam sufocar projetos não-afiliados.
Minecraft, produzido pelo sueco Markus “Notch” Persson, não é nada mais do que o segundo jogo mais vendido do mundo, tendo vendido mais de 122 milhões de cópias, estando atrás somente do clássico Tetris, que vendeu cerca de 170 milhões de cópias em sua longa vida.
Apesar de existir hoje em dia um debate para o que seria um “indie game”, se é um jogo totalmente patrocinado pelo game dev ou se é algo que é simplesmente livre e criativo no sentido de desenvolvimento, o que importa é que, mais do que nunca, o que antes eram projetos pessoais–feito com budgets apertadíssimos–, tornam-se títulos favoritos de muitos gamers.
Mas o que faz os jogos indies tão populares, atraindo até os gamers mais casuais para o subgênero? Seria a nostalgia que eles trazem? Ou o fato de serem projetos pessoais carregados de paixão que podem ser sentidos em todos os aspectos? Seriam os próprios game devs, como pessoas, que nos cativam e atraem para adentro desse universo que continua a se expandir?
A resposta mais curta e simples é que somos fascinados pela paixão e pelo cuidado que tudo é produzido. Ouso você, caro leitor, a tentar encontrar um bug em algum dos jogos listados nesse artigo. E, caso encontre, ouso você a entrar em contato com o game dev e não receber resposta em menos de dois dias.
Uma vez, encontrei alguns bugs e tive um problema enquanto estava jogando Stardew Valley. Tentei encontrar soluções em FAQs e na Central da Comunidade da Steam, mas nada parecia funcionar. Sem recursos e querendo muito continuar minha fazendinha, entrei em contato com “ConcernedApe”, a conta profissional do Eric Barone. Em questão de horas, tive uma resposta para meu problema, um agradecimento e uma carinha feliz. Nunca me senti tão satisfeita com um jogo antes. O mesmo não pode ser dito com o ClientSupport da EA, Uplay ou mesmo Blizzard.
Quando Markus Persson, após o lançamento bombástico de Minecraft, viu que seu trabalho estava recebendo atenção com canais no YouTube por Seananners e, mais tarde, Pewdiepie, a primeira coisa que ele fez foi agradecer a todos, tornar o jogo de graça por algum tempo, corrigir bugs no momento em que os reports chegavam, participando de lives e streams sempre que podia. Toby Fox, a fantástica mente por trás de Undertale, constantemente responde a perguntas, interage e ajuda em fóruns específicos de game devs, reage a fanarts e ao incrível amor dos fãs. Os irmãos Chad e Jared Moldenhauer, criadores de Cuphead, constantemente participam de podcasts e participam de eventos com os fãs.
Isso, por si só, já é um grande diferencial de times que sequer sabemos os nomes de empresas maiores. Quem é a mente por trás da música de Call Of Duty? Quem foi quem escreveu as icônicas interações de Bayonetta? Quem geralmente faz os mapas de Battlefield? Quem é que cuida dos designs de personagens em Assassin’s Creed?
Indie games não são obras sem rosto, elas são criadas por uma ou mais pessoas, apaixonadas por uma história e querendo compartilhá-las com o resto do mundo. São jogos produzidos com todo o carinho e cuidado possível, não somente pela vontade de sobreviver num mercado agressivo que irá afundá-los a qualquer brecha (a exemplo de No Man Sky), mas pelo aspecto da coragem.
Tratam-se de obras mais livres para explorar ideias diferentes, conceitos que quebram a caixinha que todos nós estamos tão acostumados e confortáveis, não se preocupando em “fazer o que vende”. Não há a preocupação com um portfolio, ou com a aprovação do distribuidor, não são feitos para serem louvados por um comitê. Foram feitos por serem feitos e para continuar a ser. Em uma metáfora grosseira, indie games são a comida de mãe no meio de uma praça de alimentação que só tem fast food. Ou você ama, ou você detesta.
“Videogames nunca serão arte”, o famoso crítico de filmes Roger Ebert uma vez disse, “Ninguém dentro ou fora de campo [do desenvolvimento de jogos] foi capaz de citar um jogo digno de comparação aos grandes poetas, diretores e novelistas”. Durante sua carreira, Ebert esnobava bastante a percepção de jogos como mais do que “algo para desligar o cérebro e se divertir”. Ele continuou com suas crenças até sua morte em 2013. No ano seguinte, em 2014, o filme e documentário Video Games: The Movie, alcançou as telas dos EUA e Reino Unido. Cuphead, lançado em 2017, foi inteiramente desenhado à mão. Toby Fox criou mais de 100 músicas originais para suas próprias obras (Undertale e Deltarune), e continua a hoje cria músicas para outros jogos, como para Pokémon. Jogos cada vez mais estão se transformando em filmes ou quadrinhos, como é o caso de Tomb Raider (2018) e, mais recentemente, Sonic: The Hedgehog (2020).
Certamente, Ebert não teria a mesma opinião hoje em dia.
FONTES CONSULTADAS
- The 4 years of self-imposed crunch that went into Stardew Valley – Chris Baker
Acesso em: https://www.gamasutra.com/view/news/267563/The_4_years_of_selfimposed_crunch_that_went_into_Stardew_Valley.php
- The State of Indie Gaming – Juan Gril
Acesso em: https://www.gamasutra.com/view/feature/132041/the_state_of_indie_gaming.php?print=1
- Show us Your Rig – Tom Marks
Acesso em: https://www.pcgamer.com/show-us-your-rig-stardew-valleys-eric-barone/
- Confira os 25 melhores games indies que você precisa jogar – Luís Antônio Costa
Acesso em: https://www.showmetech.com.br/confira-25-melhores-games-indies-pra-jogar/
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