A adaptação de um dos clássicos mais adorados da Era da Renascença Disney chegou oficialmente ao canal de streaming da produtora, e têm dividido os espectadores, fãs ou não da animação original. Expectativas devem ser medidas com cuidado, e nesse caso específico, mais do que nunca!
A história da garota chinesa que sonhava em se tornar uma guerreira enquanto mulher, surpreendendo uma sociedade adepta ao patriarcado durante aquela Dinastia, já é conhecida. Mulan vai lutar pelo Exército Imperial chinês se disfarçando de homem, a contragosto da família. Ela se tornaria uma lenda, embora tenha que percorrer um longo caminho para tal. Assim, o clássico da Disney lançado em 1998 apresenta uma das princesas mais carismáticas, uma vez que possui um lado guerreiro e outro, delicado. A animação é até hoje uma das mais reconhecida por cinéfilos como um marco na representação do feminismo e também do continente asiático em Hollywood, mas será que podemos dizer a mesma coisa do seu “remake” em live-action?
A resposta é uma verdadeira incógnita para os fãs do filme original que já conferiram a obra, uma vez que decisões muito ousadas foram tomadas pelo estúdio, a começar pela remoção de alguns personagens que marcaram o clássico dos anos 1990 (Mushu, a avó de Mulan, Li Shang… certamente foram os que mais fizeram falta). Mas, vamos analisar: a Disney tem recebido muitas críticas desde que embarcou na era de “reciclagem” dos grandes clássicos, uma vez que seria uma decisão prioritariamente mercadológica, consolidando o monopólio, e ainda por cima corre o risco de manchar a imagem do filme original, o que é um peso que qualquer remake de um clássico carrega nas costas. E se a nova versão for mais ousada? Não seria isso um diferencial em relação a outras adaptações que “chovem no molhado”?! Bom, é evidente que Mulan é a adaptação que mais tenta ser ousada, mas para isso era necessário muito mais do que apenas remover os elementos cartunescos da animação.
Analisando o filme – que tem um pouco mais de 2h de duração – percebemos que sua estética é impecável, desde a ambientação, com locações e cenários que procuram dar vida à China Antiga, embora sirvam apenas como complemento. A trilha sonora é muito legal, também! O problema começa na direção de atores, já que apenas a protagonista Yifei Liu acaba se destacando, ainda que mantenha seu nível de atuação no automático. Falta o carisma da personagem, que poderia ser melhor desenvolvida no início da história, e o espectador não simpatiza muito com ela.
Não estou dizendo que Mulan é uma personagem descartável, porém a protagonista é conhecida por ter várias camadas, e digamos que apenas o seu lado guerreiro é explorado, e sua personalidade não é mostrada direito. O saldo foi bem mecânico, com ideias que foram mal aproveitadas e situações que poderiam ter impacto maior na história. O simbolismo presente no nome da personagem, por exemplo, fazendo referência à flor Magnólia, é um elemento importante na construção de Mulan como heroína, mas não vemos nada disso aqui. Tem até um flashback que é importante, mais poderia agregar mais coisas que reforçam a mensagem positiva que a obra quer passar.
De forma alguma o fato de não haver canções atrapalha a mensagem do filme, uma vez que “na guerra não há tempo para cantar”, como falam por aí, embora essa frase tenha lá suas contradições, uma vez que as batalhas do filme, apesar de bem coreografadas e possuindo uma geografia que permite que a gente acompanhe tudo de perto, não empolgam, uma vez que já sabemos que nada grave vai acontecer. Algumas decisões a partir da metade realmente funcionam e reforçam a mensagem que o longa quer passar, mas outras acabaram deixando tudo no feijão com arroz. Algumas cenas, por exemplo, fazem referência à animação, mas sem o mesmo brilho.
E isso não é pela falta do elemento cartunesco, mas sim pela direção de atores um tanto mediana e também por uma construção inconstante de determinadas situações. A cena da casamenteira é o maior exemplo disso, criando um contraste com o resto do filme. É como se ele buscasse ser sério, mas tentasse lembrar o tempo inteiro que era a adaptação de uma animação cheia de elementos cômicos, e isso é inconveniente, às vezes.
Mas, retomando a pergunta que fiz acima, do meu ponto de vista, a adaptação de Mulan não muda muito o que já era evidente na animação, uma vez que até mesmo personagens que tinham muito potencial acabam não influenciando muito no resultado final e a mensagem é passada com erros e acertos. Dito isto, gostaria de falar que Mulan é um bom filme, mas isso não apresenta sinais de uma boa “reciclagem” do clássico, e acabou ficando bem Nutella. Enquanto homem, não estou no meu lugar de fala para questionar determinadas decisões – como afirmar se o filme representa ou não o feminismo de forma adequada – então optei por analisar focando no roteiro e na construção de personagens, dois elementos que nem sempre andam juntos, no caso deste filme, e isso prejudica a narrativa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pois é! Definitivamente, a espera acabou! Mulan não é o filme que os fãs da animação esperavam, e provavelmente muitos irão receber a obra com reações “oito ou oitenta”. Particularmente, achei o filme um bom entretenimento, mas apenas isso. Recomendo, embora gostaria de relembrar que expectativas devem ser medidas minuciosamente, especialmente neste caso. Espero que não fique mais desanimado(a) após ler isso, uma vez que não é minha intenção detonar o filme, apenas avisar que ele não permite que a gente se encante pela história, apenas segue o baile com começo, meio e fim.